sexta-feira, 26 de agosto de 2011

NAS TUAS MÃOS - II


Pincei muitos trechos de NAS TUAS MÃOS e aqui os coloco com a intenção de instigar o desejo da leitura.


Uma vez chegaste a deitar-me no chão e encheste-me o peito de dentadas e lágrimas, estiveste quase a possuir-me e depois pediste desculpa, eu disse-te: “vem para dentro de mim, não tenhas medo”, e tu disseste: “Não posso, meu anjo. Não seria justo para si....”

Dizem que o amor se faz de uma comunidade de interesses subterrâneos, restos de vozes, hábitos que nos ficam da infância como uma melodia sem letra, paixões pisadas na massa funda do tempo...

O abandono não é um ato de vontade mas uma conseqüência do esquecimento, meu amor.

...o amor desesperado faz mal à pele, desfigura e amarelece-nos o contorno...

Nesses anos em que o amor todo se concentrava na feroz atração dos corpos, podia-se viver uma vida só do sabor de uns lábios. Eu, pelo menos, vivi.

...as pessoas aborrecem as histórias felizes e têm razão, a felicidade convoca o que em nós há de mais melancólico e solitário.

Cada ser tem o seu segredo, cada amor o seu código intransmissível.

O amor, ......, é o único travão da morte...

Pões nas fotografias o rigor que não encontras na vida, sempre que as pessoas te magoam por omissão fechas-te na câmara escura a sublinhar contrastes.

Custa-me dizer ‘no meu tempo’, como fazem as pessoas da minha idade, porque o meu tempo é simplesmente o tempo de partilhar o amor com os seres que amo.

...declarava que todo o amor vivido é uma degradação do amor. Dizia que amar uma rapariga é, afinal de contas, não amar ninguém, porque as raparigas mudam todos os dias. Tinha razão. O amor dele não conseguia me tocar, porque a mulher que ele via em mim não me conhecia.

Uma das vantagens do envelhecimento é conseguirmos esquecer aquilo que não nos apetece recordar.

Não penses que te estou a dizer que na velhice as pessoas ficam mais perto da essência da vida; não consigo encontrar uma solução para os problemas do Universo pelo facto de ser velha. Mas acho que ganhei em frivolidade, sobretudo depois da tua morte, ...... Eu era uma rapariga demasiado séria, e agora tornei-me uma velha leviana.

Já não tenho vergonha de ser meiga...

...ser amigo de alguém é ter a coragem de conhecer o melhor e o pior dessa pessoa, e guardar esse pior, por mais peso que tenha, no silêncio do nosso coração.

O amor dissolve em fumo qualquer escândalo, por mais estranho que ele surja aos nossos aparentes valores. O escândalo a que não se sobrevive é o da ausência do amor, ...

...e eu limito-me a beijá-la com um sorriso, para que ela continue a acreditar que tem uma avó de antigamente, uma espécie de Natal imóvel e portátil. E no fundo é verdade; a entrega foi a minha única forma de afirmação, não levo da vida o peso das armas oxidadas.

...a separação dói muito aos que cedo se apercebem da enormidade do amor diante da estreiteza da vida.

Enfrentando a imperfeição aprendi a perdoar. Olho para a raiz das ações, e concluo que também eu a podia ter cometido. A pior delas.

Cada pessoa é uma harmonia de solidão, decompô-la apenas pode fazer com que a sua música se torne inaudível.

O amor não é justo, .....

O amor não tem portas que possamos abrir e fechar, nem passagens secretas para um sótão onde possamos fazer férias dele. Toma conta de tudo em nós, envolve-nos como um lençol de tédio, sedoso, infindo.

Prolongada, a vida torna-se demasiado curta e o amor ganha o ritmo da chuva que bate leve, levemente.

...porque a ausência é um lugar de destroços.

...para mim a paixão tinha que ser o êxtase da liberdade.

“Tens a paixão da amizade como eu tenho a paixão do amor, minha filha. Não sei o que é mais trágico”.

A verdade é que não há nada de tão cruel como um amor perfeito. Passamos vidas inteiras a arranjar suspeitos, a confrontar testemunhas. Toda a gente sabe que ele aconteceu, mas ninguém o viu. Ninguém sabe descrever-lhe o rosto. Ataca sobretudo em horas ou pessoas de plena distração, à revelia dessa confortável invenção humana a que chamamos razão.

...senti que a fotografia podia ser uma marca de diferença, a assinatura de um olhar,...

Descobri cedo nas fotografias de minha mãe que a felicidade é uma coleção de instantes suspensos sobre o tempo que só depois de amarelecidos pela ausência se revelam.

Trago no meu sangue que é dela esta calada paixão pelo amores mortos, esta determinação de só depois entender o essencial, de amar as distâncias como única proximidade do céu.

...o amor nunca é uma dependência, é uma abundância e parece que nós continuamos a viver o amor por carência. Metemos no amor tudo o que não sabemos onde meter.

O amor não quer saber das idéias que tenhamos sobre a nossa identidade ou sobre as nossas preferências sexuais. O sexo é um caso irrelevante diante dos obstinados desígnios da paixão.

...a dor é um bônus de sabedoria que a felicidade deixa.

Mas neste momento tudo me anoitece na memória; lembrar é a declinação vertiginosa do verbo esquecer.

Vesti a sua camisa de noite branca, de bordado inglês, e meti-me entre os lençóis de frioleiras bordados pela sua avó para celebrar a sua entrada no universo do amor real. No cartão escrevi apenas estas palavras suas: “Vem pra dentro de mim, não tenhas medo”. E ele veio, ....



Serviço: NAS TUAS MÃOS, Inês Pedrosa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.


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