segunda-feira, 31 de maio de 2010

A MULHER DEPOIS QUE AMA por Affonso Romano de Sant'Anna

Uma coisa especial ocorre com a mulher depois que ama.
Reparem, estou dizendo: depois que ama.
Não estou me referindo a ela enquanto está no ato do amor.
Mas, quando digo "depois que ama",
refiro-me ao estado de graça que a envolve após o gozo,
e que perdura horas e horas e às vezes dias.
Fica macia que nem gata aos pés do dono.
Mais que gata, uma pantera doce e íntima.
Sua alma fica lisinha, sem qualquer ruga.
A vida não transcorre mais a contrapelo. Desliza.
Ela tem vontade de conversar com as flores, com os pássaros, com o vento.
Em estado de graça ela se desinteressa do calendário.
O cotidiano já não a oprime. É a hora de uma ociosidade amorosa.
O homem, animal desatento, às vezes não se dá conta.
Em geral, nunca se dá conta.
Ou dá-se conta nos primeiros minutos após o ato de amor,
e depois se deixa levar pela trivialidade,
deixando-a solitária em sua felicidade clandestina.
Na verdade, ela sobrepaira ao tempo, está adejando em torno do amado,
que deveria suspender tudo para sentir
desenhar-se em torno de si esse balé de ternura.
Já vi algumas mulheres assim.
Era capaz de pressentir a 115 m que elas estavam
levitando de tanto amor que seus amados nelas desataram.
Há uma coisa grave na mulher que foi ao clímax de si mesma.
Que não esteja distraído o parceiro ou parceira.
Ela tem mesmo um perfume diverso das demais.
É um cio diferente.
É quando a mulher descerra em si o que tem de visceralmente fêmea,
tranqüila que, mais que possuída, possui algo que atingiu raramente.
As outras mulheres percebem isto e a invejam.
Os machos farejam e se perturbam.
É como se estivessem num patamar seguro a se contemplar.
Estou falando de uma coisa que os homens não experimentam assim.
O gozo masculino é mais pontual e parece se exaurir pouco depois do próprio ato.
Também brilha. Mas é diferente.
E não é disto que estou falando,
senão do gozo feminino que não se esgota no gozo
e se derrama em gestos e atenções por horas e dias a fio.
É isso: quando a mulher foi amada e bem amada,
ela ingressa nessa atmosfera sagrada.
Uma aura de mistérios as envolve.
E isso, por não ser muito trivial, por não ser nada profano,
talvez se assemelhe aos mistérios gozosos de que muitos místicos falaram.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

EMBRIAGAI-VOS! por Charles Baudelaire


“Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais importa. Para que o horrível fardo do tempo não vos pese sobre os ombros e vos faça pender para a terra, deveis embriagar-vos sem cessar. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude à vossa escolha. Mas embriagai-vos! E se um dia, nos degraus de um palácio, na erva verde de uma valeta, na solidão baça do vosso quarto, acordardes, já sóbrios, perguntai ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai: “Que horas são?”. E o vento, a onda, a estrela, a ave, o relógio, responder-vos-ão: “São horas de vos embriagardes!”. Para que não sejais os escravos martirizados do tempo, embriagai-vos sem cessar. De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha.”

Charles Baudelaire

quinta-feira, 27 de maio de 2010

DEGRAUS por Hermann Hesse


DEGRAUS

Assim como as flores murcham
E a juventude cede à velhice,
Também os degraus da Vida,
A sabedoria e a virtude, a seu tempo,
Florescem e não duram eternamente.
A cada apelo da vida deve o coração
Estar pronto a despedir-se e a começar de novo,
Para, com coragem e sem lágrimas se
Dar a outras novas ligações. Em todo
O começo reside um encanto que nos
Protege e ajuda a viver
Serenos transpunhamos o espaço após espaço,
Não nos prendendo a nenhum elo, a um lar;
Sermos corrente ou parada não quer o espírito do mundo
Mas de degrau em degrau elevar-nos e aumentar-nos.
Apenas nos habituamos a um círculo de vida,
Íntimos, ameaça-nos o torpor;
Só aquele que está pronto a partir e parte
Se furtará à paralisia dos hábitos.

Talvez também a hora da morte
Nos lance, jovens, para novos espaços,
O apelo da Vida nunca tem fim ...
Vamos, Coração, despede-te e cura-te!

Hermann Hesse (1877-1962), Alemanhain "O jogo das contas de vidro", trad. de Carlos Leite


sábado, 22 de maio de 2010

UMA COISA PUXA OUTRA...

...e eis que quero complementar a postagem anterior com outra composição de Gonzaguinha. Alguma dúvida de que gosto desse compositor?...rs*


CAMINHOS DO CORAÇÃO

Certa vez me disseram que eu não deveria parar. Resolvi ouvir a voz amiga e sincera que me incentivava e me dava crédito. Aqui estou novamente. Externando, dando a cara pra bater. Mas feliz. Re-bem-vindos, amigos! E nesse recomeço, uma homenagem ao compositor Gonzaguinha. Se há músicas que vão diretamente ao meu coração, essa encabeça a enorme lista. Através dela já vivi momentos lindos, inesquecíveis. Um deles, há muito tempo atrás, foi por mim denominado como "fênix". Não preciso dizer mais nada para o momento, verdade?...rs*

Caminhos do Coração
(Gonzaguinha)

Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz

Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto prá dormir e sonhar

E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas

E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar

É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração

E aprendi ...