quarta-feira, 28 de julho de 2010

Uma arte - Elizabeth Bishop



A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.

Perca algo a cada dia.
Aceita o susto de perder chaves,
e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.

Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.

Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.

- Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda - escreva tudo! - lembre desastre.


Não, hoje não saio...- Maria Teresa M. Carrilho



Não, hoje não saio
eu quero ficar
no espaço dum cantinho
que é só meu
Não, hoje não falo
eu quero escutar
as palavras floridas
dum canto
que me entonteceu
Não, hoje não vou respirar
eu quero confundir
a minha vertigem
com a tua vertigem
e ser só um todo
ou um nada
num mundo que emudeceu...


terça-feira, 27 de julho de 2010

LUCÍA - JOAN MANUEL SERRAT

Lucía

Vuela esta canción para ti, Lucía
la más bella historia de amor
que tuve y tendré
es una carta de amor que se lleva el viento
pintada en mi voz
a ninguna parte
a ningun buzón.

No hay nada más bello que lo que nunca he tenido,
nada más amado que lo que perdí
perdóname si hoy busco en la arena
una luna llena que arañaba el mar.
Si alguna vez fui un ave de paso
lo olvidé pa' anidar en tus brazos.
Si alguna vez fui bello y fui bueno
fue enredado en tu cuello y tus senos.

Si alguna vez fui sabio en amores
lo aprendí de tus labios cantores.
Si alguna vez amé, si algun dia después de amar amé
fue por tu amor, Lucía, Lucía.

Tus recuerdos son cada día mas dulces
el olvido sólo se llevó la mitad
y tu sombra aún se acuesta en mi cama con la oscuridad
entre la almohada y mi soledad.

terça-feira, 20 de julho de 2010

DIA DO AMIGO


Todo dia é dia dos amigos para mim.
Nossas casas estão sempre abertas para fazer e receber visitas.
Envio beijos aos meus,
aproveitando a data e agradecendo
àqueles que me ouvem atentamente
sem que lhes profira uma palavra sequer.


PENSARES






A carícia perdida - Alfonsina Storni


Sai-me dos dedos a carícia sem causa,
Sai-me dos dedos... No vento, ao passar,
A carícia que vaga sem destino nem fim,
A carícia perdida, quem a recolherá?
Posso amar esta noite com piedade infinita,
Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.
Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos.
A carícia perdida, andará... andará...
Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.
Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?


domingo, 18 de julho de 2010

Uma colaboração (não um conselho) pra você! - Maria Sanz Martins

Recebi esse texto de minha amiga Lindi e coloco aqui porque achei muito interessante e tocante. Beijocas, Lindi! Obrigada por compartilhar!

Quando eu for bem velhinha, espero receber a graça de, num dia de domingo, me sentar na poltrona da biblioteca e, bebendo um cálice de vinho do Porto, dizer a minha neta:
- Querida, venha cá. Feche a porta com cuidado, sente-se aqui do meu lado. Tenho umas coisas para te contar.
E assim, dizer apontando o indicador para o alto:
- O nome disso não é conselho, isso se chama colaboração! Eu vivi, ensinei, aprendi, caí, levantei e cheguei a algumas conclusões. E agora, do alto dos meus anos, quero dividir com você.
Por isso, vou colocar mais ou menos assim:
- É preciso coragem para ser feliz.
Seja valente.
Siga sempre o seu coração.
Para onde ele for, seu sangue, suas veias e seus olhos também irão.
E satisfaça seus desejos. Esse é seu direito e obrigação.
Entenda que o tempo é um paciente professor que irá te fazer crescer, mas a escolha entre ser uma grande menina ou uma menina grande, vai depender só de você.
Tenha poucos e bons amigos.
Tenha filhos.
Tenha um jardim.
Aproveite sua casa, mas viaje ...vá a Fernando de Noronha, ao Pantanal...
Cuide bem dos seus dentes.
Experimente, mude, corte os cabelos.
Não corra o risco de envelhecer dizendo "ah, se eu tivesse feito..."
Tenha uma vida rica de vida.
E de verdade, acima de tudo!
Viva romances de cinema, contos de fada e casos de novela.
E tome sempre conta da sua reputação, ela é um bem inestimável.
Porque, sim, as pessoas comentam, reparam e, se você der chance, elas inventam também detalhes desnecessários.
Se for se casar, faça por amor. Não faça por segurança, carinho ou status.
A sabedoria convencional recomenda que você se case com alguém parecido com você, mas isso pode ser um saco!
Prefira a recomendação da natureza, que com a justificativa de otimizar os genes da reprodução, sugere que procure alguém diferente...
Mas para ter sucesso nessa questão, acredite no olfato e desconfie da visão.
É o seu nariz quem diz a verdade quando o assunto é paixão.
Se o casamento não der certo opte pela vida.
Faça do fogão, do pente, da caneta e do papel seus instrumentos de criação.
Leia, pinte, desenhe, escreva.
E, por favor, dance, dance, dance até o fim, senão por você, o faça por mim.
Compreenda seus pais. Eles te amam para além da sua imaginação, sempre fizeram o melhor que puderam e sempre o farão.
Cultive os bons amigos. Eles são a natureza ao nosso favor e uma das formas mais raras de amor.
Não cultive as mágoas - porque se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida é que um único pontinho preto num oceano branco deixa tudo cinza.
Era isso minha querida. Agora é a sua vez.
Por favor, encha mais uma vez minha taça e me conte:- Como vai você?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

ENCONTROS


Não se sabe como acontece. Mas eis que, de repente, você sente uma simpatia muito grande por alguém. Quando comecei a postar fotos no site português Olhares.com, vários fotógrafos deram suas opiniões e eu fui perdendo o medo de me expor, pouco a pouco. Numa noite, ao abrir o citado site, leio que uma moça havia desconfiado que eu era ‘brasileira’ por ter escrito, comentando em uma de suas fotos...”Amei!” Daquele momento em diante sempre vejo as fotos que ela coloca em sua página. E trocamos alguns comentários. Leio com prazer os textos que acompanham as fotos. Mas numa destas noites, em especial, as fotos de Leila Lage e de Luiz Martins, mexeram profundamente com a minha emoção. Tratava-se de imagens de uma linda jovem com problema de saúde. As fotos por si só já nos tocam. Com os textos de Leila, então...é emoção pura! Assisti aos vídeos que a fotógrafa indicava para que conhecêssemos as músicas que Márcia Garcês, a modelo, gostava de ouvir. Para a minha surpresa e total comoção, as músicas são do Gonzaguinha! Aí, segura coração porque ...bem, quem me conhece ou quem lê esse blog já sabe o porquê... Então resolvi escrever alguma coisa a respeito. Sobre encontros. Sobre essas chances que a vida nos oferece de conhecer pessoas maravilhosas que nos acrescentam, que nos elevam, que fazem mais fácil a caminhada. Sei bem do que Leila falou nos textos sobre isso. Porque também tenho vivenciado muitos destes encontros. Nas fotos de Márcia está estampada toda a alegria, a reverência à vida. E há um chamamento à luta, à esperança, ao amor. E a melhor imagem está subentendida: a da modelo guerreira. Fiquei muito feliz que Leila compartilhasse esses momentos que viveram. Porque, à distância, cá nesse friozinho curitibano, essas personagens aqueceram o meu coração. Leila agradece o encontro que teve com Márcia. Eu agradeço o encontro que tive com Leila. Beijos à Leila, à Márcia, abraço ao Luiz.


Confiram:

Repito aqui porque é muito pertinente:

Caminhos do Coração
(Gonzaguinha)

Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz
Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto prá dormir e sonhar
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração
E aprendi ...


Olhares e pensares











sábado, 10 de julho de 2010

OU ISTO OU AQUILO por Cecília Meireles


Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!


Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.


sexta-feira, 9 de julho de 2010

GISELE por Vera Vieira


Seguindo conselhos médicos e de pessoas para as quais sou importante, começo os cuidados com o diabetes e redobro as atenções com a tireóide. Por isso, essa semana eu fui ao cardiologista. E foi na sala de espera que ela apareceu, acompanhada de seus pais. Seu nome é Gisele. Tem 29 anos e é portadora da Síndrome de Down. Éramos quatro adultos e uma criança, além dos seus pais. Como em todas as salas de espera de qualquer consultório, uns liam as revistas disponíveis, outros olhavam para o nada e alguns teclavam em seus celulares. Em determinado momento, Gisele levantou-se e foi, de forma calma porém decidida, em direção ao senhor que estava sentado ao meu lado. Estendeu suas mãos gordinhas e acariciou com muito cuidado o rosto do senhor, olhando-o nos olhos, sem falar uma palavra sequer. Em seguida postou-se frente a mim e repetiu o gesto. Eu também acariciei a sua face e os seus cabelos lisos e macios. Sempre com os olhos nos olhos. E assim ela fez com os demais até concluir o círculo. Sentou-se na sua cadeira para, minutos depois, tornar a levantar-se. Dessa vez passou pelo senhor e veio a mim novamente. E me abraçou. Abraçamo-nos durante uns segundos quentinhos, cheirosos e macios. Gisele tem gestos suaves, calmos e seguros. Seu abraço tem algo de remanso. Tem gostinho de ‘não-me-deixe’. E deixa um desejo de ‘quero-mais’. Gisele voltou a fazer o círculo do abraço que terminou nos braços tão conhecidos de sua mãe. Logo fui chamada para ser atendida pelo médico. Ao sair, despedi-me de todos e de Gisele. Enquanto dirigia, motivada pelas cenas que vivi, fiquei pensando muitas coisas. Pensei que Gisele, na sua autenticidade, não encontra nenhum obstáculo em se aproximar dos outros para dar-lhes o seu carinho, o seu amor. O pensamento que mais me martelava o cérebro era a constatação de que muitas pessoas ditas ‘saudáveis’ fazem de tudo para se distanciarem fisicamente dos outros. Sentem-se vexados ao expor sentimentos, carícias, carinhos, afetos. Encolhem-se, recolhem-se. Desperdiçam! Pior: negam tanto a si as benesses da afetividade como aos que por ela esperam. Lembro novamente de um ditado chinês: “Podemos dar um barco a uma pessoa, podemos colocar o barco na água, podemos colocar essa pessoa no barco, podemos dar remos a essa pessoa, mas para o barco andar, só se essa pessoa quiser.” Se a doçura que entrou na minha alma naquela tarde se transformasse em puro açúcar para o meu corpo, certamente eu teria tido um mal súbito ali mesmo na clínica. Porque foi uma overdose de afetividade. E meu coração deve estar em boa forma ainda porque não sucumbiu ao abraço de Gisele; ao contrário, penso que voltou revigorado. São esses encontros que a vida nos oferece, essas pequenas alegrias do cotidiano que nos fazem seguir o caminho. Não sei se voltarei a rever Gisele. Mas as almas têm o poder se fazerem entender. E a minha é grata à alma de Gisele.