sexta-feira, 9 de julho de 2010

GISELE por Vera Vieira


Seguindo conselhos médicos e de pessoas para as quais sou importante, começo os cuidados com o diabetes e redobro as atenções com a tireóide. Por isso, essa semana eu fui ao cardiologista. E foi na sala de espera que ela apareceu, acompanhada de seus pais. Seu nome é Gisele. Tem 29 anos e é portadora da Síndrome de Down. Éramos quatro adultos e uma criança, além dos seus pais. Como em todas as salas de espera de qualquer consultório, uns liam as revistas disponíveis, outros olhavam para o nada e alguns teclavam em seus celulares. Em determinado momento, Gisele levantou-se e foi, de forma calma porém decidida, em direção ao senhor que estava sentado ao meu lado. Estendeu suas mãos gordinhas e acariciou com muito cuidado o rosto do senhor, olhando-o nos olhos, sem falar uma palavra sequer. Em seguida postou-se frente a mim e repetiu o gesto. Eu também acariciei a sua face e os seus cabelos lisos e macios. Sempre com os olhos nos olhos. E assim ela fez com os demais até concluir o círculo. Sentou-se na sua cadeira para, minutos depois, tornar a levantar-se. Dessa vez passou pelo senhor e veio a mim novamente. E me abraçou. Abraçamo-nos durante uns segundos quentinhos, cheirosos e macios. Gisele tem gestos suaves, calmos e seguros. Seu abraço tem algo de remanso. Tem gostinho de ‘não-me-deixe’. E deixa um desejo de ‘quero-mais’. Gisele voltou a fazer o círculo do abraço que terminou nos braços tão conhecidos de sua mãe. Logo fui chamada para ser atendida pelo médico. Ao sair, despedi-me de todos e de Gisele. Enquanto dirigia, motivada pelas cenas que vivi, fiquei pensando muitas coisas. Pensei que Gisele, na sua autenticidade, não encontra nenhum obstáculo em se aproximar dos outros para dar-lhes o seu carinho, o seu amor. O pensamento que mais me martelava o cérebro era a constatação de que muitas pessoas ditas ‘saudáveis’ fazem de tudo para se distanciarem fisicamente dos outros. Sentem-se vexados ao expor sentimentos, carícias, carinhos, afetos. Encolhem-se, recolhem-se. Desperdiçam! Pior: negam tanto a si as benesses da afetividade como aos que por ela esperam. Lembro novamente de um ditado chinês: “Podemos dar um barco a uma pessoa, podemos colocar o barco na água, podemos colocar essa pessoa no barco, podemos dar remos a essa pessoa, mas para o barco andar, só se essa pessoa quiser.” Se a doçura que entrou na minha alma naquela tarde se transformasse em puro açúcar para o meu corpo, certamente eu teria tido um mal súbito ali mesmo na clínica. Porque foi uma overdose de afetividade. E meu coração deve estar em boa forma ainda porque não sucumbiu ao abraço de Gisele; ao contrário, penso que voltou revigorado. São esses encontros que a vida nos oferece, essas pequenas alegrias do cotidiano que nos fazem seguir o caminho. Não sei se voltarei a rever Gisele. Mas as almas têm o poder se fazerem entender. E a minha é grata à alma de Gisele.

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