segunda-feira, 31 de agosto de 2009

UNA ROSA BLANCA PARA LU por Vera Vieira

Desde que me conheço por gente, ouvi que só se faz bem feito aquilo se faz por amor. É um ditado que certamente iluminou muitos dos meus caminhos e que me rendem frutos até hoje. Outro pensamento que, da minha adolescência até hoje uso para pessoas especiais que vou encontrando por tais caminhos, é bíblico e de uma verdade incontestável: há amigos que são mais queridos que irmãos (Pr 18, 24b). Posso falar desses dois temas com a maior segurança e tranquilidade, pois sou testemunha beneficiada de atos que os tornam reais. Existem várias pessoas na minha vida que unem essas duas coisas. Uma delas já nem a considero ‘amiga mais querida’, já a considero simplesmente irmã. Como não fui abençoada para privar do convívio com irmãs ou irmãos, pois sou filha única, diria que essa pessoa é ‘a irmã’. Mas não é sobre ela que lhes falarei hoje. Sobre Thereza falarei em outra ocasião.

Não vou discutir aqui, hoje, sobre a polêmica das amizades surgidas através da telinha fria, nas ondas navegadas num oceano contido dentro de uma pequena caixa. Porque sabemos que no mais lindo mar que admiremos, originalmente só havia beleza e limpeza. Se ele ficou poluído, a culpa é dos homens que não souberam tratá-lo com sabedoria e respeito. A amizade que vem da internet é algo parecido: nasce linda e, conforme o tratamento, transforma-se em mares gentis e vitais ou... em lixo que precisa ser retirado do mar e que não merece nem ser reciclado.

Hoje quero lhes falar sobre Beth Nunes. Ou melhor, sobre a Lu, que é assim que meu coração aprendeu a chamá-la.

Lu e eu nos conhecemos surfando verdes mares. Éramos as verdinhas de uma sala de bate-papo. O bom humor de Lu, as brincadeiras onde éramos cúmplices, a boa música pesquisada, o respeito, a confiança, amigos comuns no mesmo barco... Tudo era festa! Nem mesmo a tentativa de intrigar-nos, certa ocasião, causou danos. Aprendemos a compartilhar nossas alegrias assim como as nossas dores. Soubemos respeitar os silêncios, as ausências. Assim como compreendemos as palavras não ditas e as atitudes, tivessem sido elas surpreendentes ou já esperadas. Sempre tivemos como base: se você está feliz, estou também; o que você decidir, estou com você!

Chegou um dia em que veio o aviso: Nua Idéia no ar! Nua Idéia é o site de textos e midis que Lu mantém de forma maravilhosa. O fez para seu prazer e para colocar músicas com as quais os amigos pudessem enviar sons de primeira qualidade nas salas de bate-papo. Mais que isso, se dispôs a acolher pedidos de amigos e, através de dedicação trabalhosa, criou os ‘mimos’ musicais. Lá estão seus amigos acompanhados das músicas que lhes são caras, que lhes dizem algo ao coração, que lhes ajudam a repousar o espírito quando as ouvem, que tornam mais suaves as bordoadas que a vida lhes oferece...

Muito embora o site tenha sido criado somente para trazer coisas boas, houve algumas vezes em que não trouxe só isso, infelizmente. Mas Lu soube enfrentar tudo muito bem. Claro que, várias vezes, com muito sofrimento. E eu sei do que estou falando. Mas Lu também é das minhas: antes do coração-ouvinte, está o coração-que-fala. E foram tantos os corações-falantes que não houve jeito do coração-ouvinte sucumbir: o site continua lindo, com qualidade superior a muitos outros e trazendo belezas aos nossos olhos e almas. Sabem por quê? Porque ela o faz por amor!

Sou um dos corações-falantes lá no site da ‘dona peladona’ (rs*). No meu espaço há músicas que falam muito sobre mim. Das minhas saudades, dos meus desejos, dos meus sonhos, das minhas alegrias, das minhas tristezas, das minhas dores, dos meus amores. Quando piso naquele chão, estou em casa. Reconheço-me. Minha vida deu uma virada total há mais de dois anos. Pouco tempo tenho de estar em salas de bate-papo, atualmente. Por isso usei o tempo passado no início do texto. Não posso prestigiar muito o Nua Idéia como gostaria, colando as midis com freqüência. Mas uso as midis dele, com permissão da Lu, claro, nesse meu blog. Embora um tanto incomodada por não divulgar melhor o site, ainda assim não tenho pudores de, vez ou outra, pedir um presentinho para colocar nos meus mimos. Ainda ontem ganhei um. E eu valorizo cada mimo colocado lá porque sei que ela tem centenas de pedidos em fila de espera. Considero-me privilegiada. Sabem por quê? Porque há amigos que são mais queridos que irmãos.

Besos, Lu. Me too!





Cultivo una rosa blanca,
en julio como en enero,
para el amigo sincero
que me da su mano franca.
Y para el cruel que me arranca
el corazón con que vivo,
cardo ni ortiga cultivo:
cultivo una rosa blanca.

José Martí, poeta cubano

domingo, 30 de agosto de 2009

ATO DE CONTRIÇÃO por Marilda Confortim


Eu, pecadora, confesso:
Sou reincidente no amor.
Mas, não mereço a pena.
Careço é de pena, Meritíssimo.
Cristo disse:
“Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”
... acreditei!


sexta-feira, 28 de agosto de 2009

CANTO CHORADO por Billy Blanco


O que dá pra rir dá pra chorar
Questão só de peso e medida
Problema de hora e lugar
Mas tudo são coisas da vida
O que dá pra rir dá pra chorar


No jogo se perde ou se ganha
Caminho que leva, que traz
Trazendo, alegria tamanha
Levando, levou minha paz

Tem gente que ri da desgraça
Duvido que ria da sua
Se alguém escorrega onde passa
Tem riso do povo na rua


Alegre é lugar de chegada
É triste com gente partindo

Tem sempre o adeus da amada
O riso chorado mais lindo

Eu posso cantar meu lamento
Também sei chorar de alegria
As velas no mar querem vento
No porto é melhor calmaria

Somente a palavra "sofrência"
Que em dicionário não tem

Mistura de dor, paciência
Que é riso e que é pranto também

Define o Nordeste que canta
O canto chorado da vida
Reclamam no Sul chuva tanta
Errou de lugar na caída

O que dá pra rir dá pra chorar
Questão só de peso e medida
Problema de hora e lugar
Mas tudo são coisas da vida

O que dá pra rir dá pra chorar...


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A LUCIDEZ PERIGOSA por Clarice Lispector




Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:

que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
– já me aconteceu antes.

Pois sei que
– em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
– essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.






A TODOS por Martha Medeiros


a todos trato muito bem



sou cordial, educada, quase sensata


mas nada me dá mais prazer


do que ser persona non grata


expulsa do paraíso


uma mulher sem juízo, que não se comove


com nada


cruel e refinada


que não merece ir pro céu, uma vilã de novela


mas bela, e até mesmo culta


estranha, com tantos amigos


e amada, bem vestida e respeitada


aqui entre nós


melhor que ser boazinha e não poder ser imitada




Poesia Reunida, L&PM Editores, 1999 - Porto Alegre, Brasil





quarta-feira, 26 de agosto de 2009

TEMPO!

Sinal fechado

Paulinho da Viola

– Olá! Como vai?
– Eu vou indo. E você, tudo bem?
– Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E
você?
– Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo...
Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é, quanto tempo!
– Me perdoe a pressa - é a alma dos nossos negócios!
– Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é...quanto tempo!
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
– Por favor, telefone - Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– Eu procuro você...
– Vai abrir, vai abrir...
– Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Adeus!
– Adeus!
– Adeus!





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Transversal do tempo

João Bosco e Aldir Blanc


As coisas que eu sei de mim

São pivetes da cidade

Pedem, insistem e eu

Me sinto pouco à vontade

Fechada dentro de um táxi

Numa transversal do tempo

Acho que o amor

É a ausência de engarrafamento




As coisas que eu sei de mim

Tentam vencer a distância

E é como se aguardassem feridas

Numa ambulância



As pobres coisas que eu sei

Podem morrer, mas espero

Como se houvesse um sinal

Sem sair do amarelo






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terça-feira, 25 de agosto de 2009

domingo, 23 de agosto de 2009

Somente um pensamento...


NÃO É O AMOR QUE NOS TORNA REAIS. O QUE NOS TORNA REAIS É O ATO DE AMAR.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

terça-feira, 18 de agosto de 2009

NASCER ANTES DO SEU TEMPO...por Vera Vieira

"Eu não sou louco, é o mundo que não entende minha lucidez."

Dá nisso, amigo, não tem outro jeito. Nascer antes do seu tempo gera um mundo de incompreensões. Posso imaginar o quanto sua alma deve ter se debatido diante do muro das incompreensões dos demais: tanto dos próximos quanto dos distantes. Importa, presentemente, que os jovens de agora estão captando a sua mensagem. Isso é uma grande contribuição, verdade? Minha convicção pede até uma reformazinha: será mesmo que você viveu em tempo inadequado? De repente...quem sabe não era para esse público atual as suas composições? Quem irá afirmar sim ou não? Quem dirá dos mistérios dessa vida? Eu também tive meus momentos de incompreensão dos seus pensamentos, Raul. Hoje os encaro com naturalidade e reverencio a sua lucidez. Uma pena que não encontrei um vídeo com você cantando Vera, Verinha, uma letra tão simples e tão bucólica que, por isso mesmo, e aliada à melodia, se faz linda. E, claro, por motivos óbvios, toca profundamente a minha alma.


Mas encontrei o vídeo de uma outra canção que gosto muito. E que prova o quanto de avançado era o seu pensamento a respeito da relação homem-mulher. Para os machistas de plantão... incompreensão total, verdade?





Enfim, lá se vão 20 anos sem a sua lucidez, Raul. A todos os deuses, graças por seus pensamentos estarem gravados em mídias tantas.

"Que capacidade impiedosa essa minha de fingir ser normal o tempo todo".

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

ALTAR PROFANO por Vera Vieira

Gosto quando chegas
Com palavras e mãos cálidas.
Operas milagres em nosso quarto,
antes que me dê conta.
Porta fechada, luz difusa
Espiando através das cortinas.


Gosto quando exibes
Teus lábios de deserto.
E quando apontas a garrafa rubi,
divino oásis, de onde colhemos
cerejas, uvas, rosas vermelhas
e a Flauta Mágica de Mozart.


Gosto quando sinto que sorves,
ritualmente, na penumbra,
teu vinho de altar profano
nas taças perfeitas
que te oferece
o meu corpo de mulher.

RESSURREIÇÃO por Vera Vieira



Num relato contado por Rubem Alves, numa das suas inúmeras obras, encontrei algo que não podia expressar melhor o sentimento que agora impera...rs* Baseado no texto, quase sem tirar nada, aqui vai:



RESSURREIÇÃO


MILAGRE DOS MILAGRES:

DEPOIS DE DECAPITADA

ESTOU BEIJANDO

MINHA PRÓPRIA CABEÇA!

JOGO dos ESPELHOS por Vera Vieira

Do gozo maior
não sei a procedência...

Do reflexo motivado
por suas mãos
que acendem minhas lamparinas?

Do reflexo causado
por minhas carícias
que acionam seus faróis?

A culpa
é dos espelhos
nos meus olhos
nos seus olhos

e do sumidouro de cristais
que nos arrebata
nos envolve
nos devolve
a um porto seguro
sem nós.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

DIA DOS PAIS

Foto Vera Vieira

Considerando que compactuo com algumas pessoas que pensam que dia dos pais, mães, amigos, namorados, avós e por aí afora, é todo dia e não apenas um dia comercialmente convencionado, transcrevo aqui, nesse dia, com a permissão dos envolvidos, algumas passagens. Trata-se de uma mensagem enviada por nossa sobrinha Ana Márcia ao seu tio, meu marido, por ocasião do dia dos pais. E da resposta que ele deu. Eu queria ter escrito alguma coisa que homenageasse meu pai e meu marido mas diante do que li, acho desnecessário qualquer gesto além de dizer que tenho orgulho do pai que tive porque me ensinou a ter olhos de ver e coração de fazer escolhas certas e, tenho orgulho também, de ter o marido que tenho como pai de minha filha e mais pai do que propriamente avô do meu neto, - amor maior - por ser um humano com H maiúsculo.


Ana Márcia escreveu:

Para meu querido tio, exemplo de pai e avô...
Beijos da sobrinha Ana Márcia


O Pai
Rubem Alves


Quando começo a escrever deixo de ser dono de mim mesmo. Fico à mercê de idéias que nunca pensei. Elas aparecem sem que eu as tenha chamado e me dizem: “Escreva!“ Não tenho outra alternativa. Obedeço. Cummings, referindo-se a um livro seu, ao invés de dizer “quando eu escrevi esse livro“, disse “quando esse livro se escreveu.“ Não foi ele... O livro já estava escrito antes, em algum lugar. Ele só fez obedecer as ordens que o livro lhe deu. Nikos Kazantzakis, autor de Zorba, o Grego, confessou que as letras do alfabeto o aterrorizavam. E isso porque, uma vez soltas, elas se recusavam a obedecer as suas ordens. “As letras são demônios astutos e desavergonhados — e perigosos! Você abre o tinteiro e as solta: elas correm — e você não mais conseguirá trazê-las de novo para seu controle! Elas ficam vivas, juntam-se, separam-se, ignoram suas ordens, arranjam-se a seu bel-prazer no papel — pretas, com rabos e chifres. Você grita e implora: tudo em vão. Elas fazem o que querem...


Era meu costume tentar colocar ordem na casa: planejar, determinar de forma lógica e metódica os temas sobre que eu iria escrever. Foi assim que resolvi escrever um livro em que colocaria em ordem e diria tudo o que eu havia pensado sobre a educação. O título seria: A erótica da educação e a educação da erótica. Por cinco anos lutei. As idéias não me faltavam. Mas as palavras se recusaram a me obedecer. O dito livro não queria ser escrito. Wittgenstein passou por experiência semelhante. Por muitos anos ajuntou idéias. Aí, tentou ordená-las sob a forma de um texto filosófico. Eis o que aconteceu, em suas próprias palavras: “Depois de várias tentativas mal sucedidas de fundir meus resultados numa peça única, percebi que eu nunca haveria de ser bem sucedido. O melhor que eu poderia escrever seria nada mais que anotações filosóficas; os meus pensamentos ficavam logo paralisados se eu tentava forçá-los numa única direção contra a sua inclinação natural.


Pois eu não tinha intenção alguma de escrever sobre o dia dos pais. Mas, de repente, passando os olhos num livro que uma amiga me enviou, encontrei a seguinte afirmação: “Tomar uma decisão de ter um filho é algo que irá mudar sua vida inteira de forma inexorável. Dali para frente, para sempre, o seu coração caminhará por caminhos fora do seu corpo.


Aí as idéias puseram a se movimentar por conta própria. Pensei na minha condição de pai. É verdade: pai é alguém que, por causa de um filho, tem sua vida inteira mudada de forma inexorável. Isso não é verdadeiro do pai biológico. É fácil demais ser pai biológico. Pai biológico não precisa ter alma. Um pai biológico se faz num momento. Mas há um pai que é um ser da eternidade: aquele cujo coração caminha por caminhos fora do seu corpo. Pulsa, secretamente, no corpo do seu filho (muito embora o filho não saiba disto).


Lembrei-me dos meus sentimentos antigos de pai, diante dos meus filhos adormecidos. Veio-me à mente a imagem de um “ninho“. Bachelard, o pensador mais sensível que conheço, amava os ninhos e escreveu sobre eles. Imaginou que, “para o pássaro, o ninho é indiscutivelmente uma cálida e doce morada. É uma casa de vida: continua a envolver o pássaro que sai do ovo. Para este, o ninho é uma penugem externa antes que a pele nua encontre sua penugem corporal.“ Era isso que eu queria ser. Eu queria ser ninho para os meus filhos pequenos. Queria que meu corpo fosse um ninho-penugem que os protegesse, um ninho que balança mansamente no galho de uma árvore ao ritmo de uma canção de ninar...


Que felicidade enche o coração de um pai quando o filho que ele tem no colo se abandona e adormece! Adormecida, a criança está dizendo: “tudo está bem; não é preciso ter medo“. Deitada adormecida nos braços-ninho do seu pai ela aprende que o universo é um ninho! Não importa que não seja! Não importa que os ninhos estejam todos destinados ao abandono e ao esquecimento! A alma não se alimenta de verdades. Ela se alimenta de fantasias. O ninho é uma fantasia eterna. Jung deveria tê-lo incluído entre os seus arquétipos! “O ninho leva-nos de volta à infância, a uma infância!“ (Bachelard). Aquela cena, a criança adormecida nos braços do pai, nos reconduz à cena de uma criancinha adormecida na estrebaria de Belém! Tudo é paz! Desejaríamos que ela, a cena, não terminasse nunca! Que fosse eterna!


É impossível calcular a importância desses momentos efêmeros na vida de uma criança. É impossível calcular a importância desses momentos efêmeros na vida de um pai. O efêmero e o eterno abraçados num único momento! “Conter o infinito na palma da sua mão e a eternidade em uma hora“: o pai que tem o seu filho adormecido nos seus braços é um poeta! Essas palavras do poeta William Blake bem que poderiam ser suas. Um homem que guarda memórias de ninho na sua alma tem de ser um homem bom. Uma criança que guarda memórias de um ninho em sua alma tem de ser calma!


Mas logo o pequeno pássaro começará a ensaiar seus vôos incertos. Agora não serão mais os braços do pai, arredondados num abraço, que irão definir o espaço do ninho. Os braços do pai terão de se abrir para que o ninho fique maior. E serão os olhos do pai, no espaço que seus braços já não podem conter, que irão marcar os limites do ninho. A criança se sente segura se, de longe, ela vê que os olhos do seu pai a protegem. Olhos também são colos. Olhos também são ninhos. “Não tenha medo. Estou aqui! Estou vendo você“: é isso o que eles dizem, os olhos do pai.


O que a criança deseja não é liberdade. O que ela deseja é excursionar, explorar o espaço desconhecido – desde que seja fácil voltar. Tela de Van Gogh. É um jardim. No lado direito do jardim, mãe e criança que acabam de chegar. Ao lado esquerdo o pai, jardineiro, agachado com os braços estendidos na direção do filho. É preciso que o pai esconda o seu tamanho, que ele esteja agachado para que seus olhos e os olhos do seu filho se contemplem no mesmo nível. A cena é como um acorde suspenso, que pede uma resolução. É certo que o filho largará a mão da mãe e virá correndo para o pai... E a fantasia pinta a cena final de felicidade que o pintor não pode pintar: o pai pegando o filho no colo, os dois rindo de felicidade...


O tempo passa. Os pássaros tímidos aprendem a voar sem medo. Já não necessitam do olhar tranquilizador do pai. É a adolescência. Ser pai de um adolescente nada tem a ver com ser pai de uma criança. Pobre do pai que continua a estender os braços para o filho adolescente, como na tela de Van Gogh! Seus braços ficarão vazios. Como se envergonharia um adolescente se seu pai fizesse isso, na presença dos seus companheiros! É o horror de que os pássaros companheiros de vôo o vejam como um pássaro que gosta de ninho! Adolescente não quer ninho. Adolescente quer asas. Os ninhos, agora, só servem como pontos de partida para vôos em todas as direções. Liberdade, voar, voar... A volta ao ninho é o momento que não se deseja. Porque a vida não está no ninho, está no vôo. Os ninhos se transformam em gaiolas. Se eles procuram os olhos dos pais não é para se certificar de que estão sendo vistos mas para se certificar de que não estão sendo vistos! Aos pais só resta contemplar, impotentes, o vôo dos filhos, sabendo que eles mesmos não podem ir. Nos espaços por onde seus filhos voam os ninhos são proibidos. Mas eles terão de voltar ao ninho, mesmo contra a vontade. E o pai se tranquiliza e pode finalmente dormir ao ouvir, de madrugada, o barulho da chave na porta: “Ele voltou..."


Mas chega o momento quando os filhos partem para não mais voltar.


Através da minha janela vejo um ninho que rolinhas construíram nas folhas de uma palmeira. A pombinha está chocando seus ovos. Vejo sua cabecinha aparecendo fora do ninho. Mas numa outra folha da mesma palmeira há um outro ninho, abandonado. Esse é o destino dos ninhos, de todos os ninhos: o abandono.


Gibran Khalil Gibran escreveu, no seu livro O Profeta, um texto dedicado aos filhos. Não sei de cor suas precisas palavras. Mas vou tentar reconstrui-las. É aos pais que ele se dirige. “Vossos filhos não são vossos filhos. Vossos filhos são flechas. Vós sois o arco que dispara a flecha. Disparadas as flechas elas voam para longe do arco. E o arco fica só.


Esse é o destino dos pais: a solidão. Não é solidão de abandono. E nem a solidão de ficar sozinho. É a solidão de ninho que não é mais ninho. E está certo. Os ninhos deixam de ser ninhos porque outros ninhos vão ser construídos. Os filhos partem para construir seus próprios ninhos e é a esses ninhos que eles deverão retornar.


Assim é na natureza. Assim é com os bichos. Deveria ser conosco também. Mas não é. Quem é pai tem o coração fora de lugar, coração que caminha, para sempre, por caminhos fora do seu próprio corpo. Caminha, clandestino, no corpo do filho. Dito pela Adélia: “Pior inferno é ver um filho sofrer sem poder ficar no lugar dele.“ Dito pelo Vinícius, escrevendo ao filho: “Eu, muitas noites, me debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais indefesas lágrimas de amor, e pedi a todas as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para a tua..."


Sei que é inevitável e bom que os filhos deixem de ser crianças e abandonem a proteção do ninho. Eu mesmo sempre os empurrei para fora.


Sei que é inevitável que eles voem em todas as direções como andorinhas adoidadas.


Sei que é inevitável que eles construam seus próprios ninhos e eu fique como o ninho abandonado no alto da palmeira...


Mas, o que eu queria, mesmo, era poder fazê-los de novo dormir no meu colo...


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Resposta do tio à sobrinha Ana Márcia:



Curitiba, 9 de agosto de 2009 - Dia de S. Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein).

Cara sobrinha Ana Márcia,

Obrigado pelo envio desse belíssimo texto do Rubem Alves.
E obrigado pela sua dedicatória, que, embora distante da verdade, soa muito agradável.
De fato, toda a razão a Gaston Bachelard e ao Rubem Alves: fazer do seu colo um ninho para uma criança e vê-la e sentí-la abandonar-se ao sono, confiante e totalmente entregue aos braços que a acolhem é uma experiência única e incomparável. Conquanto sabedores de quão inóspito e rude lhes será o mundo que nos cerca, em muitos momentos de muitos dias; a despeito de conscientes do vale de lágrimas e sangue que, por vezes, esta vida fatalmente lhes reservará; essa é uma das mais nobres funções que um ser humano pode desempenhar: dar o seu colo a uma criança. Em todos os momentos da vida - e sabemos que não são poucos ! - em que sentimos a angústia nos dominar, em todos os inúmeros instantes de aflição, em todos os incontáveis minutos de desgosto, em todas as inumeráveis ocasiões de tribulação, em todos os infinitos tempos de sofrimento, em todas as numerosas oportunidades de pesar, sempre que nos sentimos pequenos e oprimidos, ansiosos e dilacerados, acabrunhados e tristes... não é outra coisa pelo quê ansiamos desesperadamente, senão por ...um colo ! E nós, adultos e aparentemente maduros, haveremos de nos afirmar e de negá-lo; mas essa é a verdade que repousa, tranqüila e calma - como são as verdades mais essenciais - no fundo de nossa alma: eis nosso mais autêntico e profundo desejo... um colo ! Um colo ao qual nos possamos abandonar, cerrar os olhos, esquecer do mundo e entregar-nos confiantemente ao sono, porque, ali - como em nenhum outro lugar em todos os tempos ! - nos sentimos seguros, amparados, protegidos, resguardados, abrigados e defendidos contra tudo e contra todos os males, como naqueles braços que nos envolveram quando criança.
Não tenho um número muito grande de convicções, mas essa é, certamente, uma delas... uma de nossas maiores saudades, uma de nossas mais arraigadas nostalgias, um de nossos mais fortes apetites, uma de nossas mais vivas sofreguidões... é encher a falta, é preencher a escassez, é rechear a penúria, é fartar a indigência, é abarrotar a miséria... de colo !
E que ninguém ouse, diante de si mesmo, em presença de seu próprio eu, no seu silêncio essencial, recusar... o ser humano tem fome de colo !

J. R. Vieira