quarta-feira, 30 de setembro de 2009

PESCANDO ESTRELAS/À DERIVA/SUAVE BRISA, ENTRE OUTRAS PESCARIAS por Vera Vieira



O dia tinha sido pesado demais. Sozinha em casa sem ter com quem conversar, lembrou que seriam só uns cliques e poderia soltar seus bichos reais na virtualidade socorrista de um bate-papo pela internet. Clicou ali, clicou aqui e acolá, e de repente, observou um nick que lhe chamou a atenção: Pescando estrelas. Resolveu pousar ali. Mas manteve o critério adotado desde o princípio: jamais interpelar alguém. E ficou ouvindo as músicas que eram colocadas pelos DJs daquela sala. Com surpresa percebeu que, ainda quando uma delas era executada, o nick citado decidiu colar uma outra música e então... eram duas canções a tocar! Lembrou-se da brincadeira entre DJs internautas quando pensou: ainda bem que tenho dois ouvidos! Mas nem todos encararam dessa forma. Muitos reclamaram com veemência e outros até com grosserias. Ficou observando a reação do grupo: um pouco de alvoroço, todos se calaram e o nick ‘transgressor’ sequer deu uma resposta, nem nessa ocasião e muito menos nos outros ‘atropelamentos’ seguintes que causou. E as músicas que ele ‘colava’ eram de primeira! Muitas orquestradas, muitas latinas, muitas românticas, todas suaves.

Os sites como já disse tem apenas músicas, preferencialmente suaves e românticas, músicas "velhas" para velhos ouvir e relembrar e é claro são para serem colocadas em salas de mais de 50 senão, corre o perigo de sair apedrejado. Eu, como as escolhi para mim (passo dos 60) gosto de todas mas cada qual delas tem um momento em que é mais deliciosa de escutar, porque a música deve combinar com o estado de espírito para ser agradável de se ouvir. Mas é impossível que todas as pessoas estejam com o mesmo estado de espírito ao mesmo tempo, então também é impossível agradar simultaneamente a todos, não se acanhe: aquele clik em stop e pronto.

Ela terminou, por fim, ignorando todos os DJs e ficou ouvindo apenas o gosto musical de Pescando estrelas. No embalo dos humores da sala e das músicas escolhidas, ela passou um bom tempo ali, calada. Foi o tempo e o espaço suficientes para que suas feras reais fossem domadas. Quando precisou sair, achou de bom tom agradecer as ‘midis’ colocadas por aquela pessoa. Foi o que fez, de maneira gentil e educada, sem ser invasora. Nada recebeu como resposta. Saiu. Em muitas outras vezes, um repeteco da primeira vez. Mas então quando entrava, arriscava um Boa noite, senhor!, cujo nick, a cada vez, pescava coisas distintas: solidariedade, sorrisos, girassóis, nuvens, marolas, entre outras. E ao sair, outra vez arriscava um Boa noite, senhor!, agradecendo as músicas ouvidas.

Depois de muito girar, mesmo sem nada ou muito pouco saber, quis aprender a colocar músicas em salas de bate-papo. Inicialmente entrei e não consegui me comunicar com o festival de besteiras. Pretendi ser amigo, ser educado, ser gentil, em suma, pretendi ser eu a conversar com alguém semelhante. Fui abordado de todas as formas imagináveis desde a garotinha de 16 anos que quer uma relação virtual com um "velho" (mesmo estando numa sala para mais de 50) até as "depravadas senhoras" que no reservado cheias de "entusiasmo virtual" pretendem agarrar virtualmente algum sonho que já escoou. Sem contar com sexos alternativos que nada me dizem. Assim encontrei-me "tropicando" justamente no lugar que seria mais propício para "minha juventude avançada", coisa que não tinha acontecido mundo afora como receber alguns desaforos nada reprisáveis aqui, que inicialmente quase me tiraram do sério e os respondi, mas logo percebi que era entrar no jogo de quem na SUA ESCURIDÃO, pretende chamar a atenção provocando com insultos quem não deseja discutir nem brigar com ninguém.


Um belo dia, a pessoa por detrás do nick resolveu ser mais generosa e respondeu ao seu cumprimento. E no momento seguinte, colou uma música ‘reservadamente’ para ela. Esse foi a única abertura, o único contato que essa pessoa ofereceu a ela.

Mesmo não conversando com as pessoas, algumas passaram a identificar o Desligado e a me cumprimentar e, melhor ainda, passaram a não se incomodar com esse meu modo de não responder e não mais se incomodam por "não lhes fazer caso". A minha resposta, às vezes, enviando uma música no reservado mesmo sem trocar uma palavra tem sido resposta ao cumprimento.

Ela, por sua vez, voltou sempre que foi possível para ouvir as canções de Pescando estrelas, até que precisou se afastar de computadores. Perdeu-se o ‘contato’ por muito tempo. Quando ela retornou, não encontrou mais o nick. Lamentou mas já sabia, pelos longos anos de experiência, que aquilo ali funcionava assim mesmo: a gente se encontra e desencontra com a mesma facilidade. Muito tempo passou e, numa outra tarde em que buscava com quem conversar, aterrisou numa sala onde lia os diálogos gostosos e bem-humorados de algumas mulheres. Como foi bem recepcionada, por ali foi ficando. Até que... apareceu um nick e, como um rolo compressor, foi atropelando todas as músicas. Curiosa, perguntou sobre ele para uma das amigas e ela lhe informou que era um senhor que não respeitava a fila dos DJs e que era costume todos bloquearem-no para não haver confusão com as midis. Disse-lhe ainda que antes ele usava o nick Pescando alguma coisa e atualmente passara a usar Desligado. Mas que era uma pena porque ele tinha um excelente gosto musical.


Foi assim que optei por DESLIGAR-ME. Sendo Desligado posso eximir-me de respostas a qualquer tipo de provocação, posso deixar de dizer bom dia, boa tarde, boa noite e posso deixar de atender às atenções que muitas e excelentes pessoas me dispensam sem que elas levem em conta o "meu descaso" já que como Desligado posso me eximir de responsabilidades. Não que eu seja uma pessoa desligada, nem descuidada, nem desrespeitosa com quem quer que seja; procuro e tento atender com amizade e carinho toda e qualquer pessoa que quer meu apoio, meu conselho, minha ajuda; é claro, desde que esteja dentro das minhas possibilidades. Dificilmente terei uma resposta agressiva para ninguém, mas poderei ter uma resposta sarcástica, um método de desabafar sem agredir. Mas essa ofensa inútil chateia a quem a escuta e não resolve o problema de quem a disse. Conheço todos os xingos do mundo como qualquer um de vocês, no entanto, prefiro usar o silêncio ou o elogio. Se não puder, ME DESLIGO.

Como ela também colava midis, precisou bloquear muitas vezes o Desligado. Outras vezes nem colava para poder ouvir um pouco o DJ Desligado. Mais uma vez, por quase dois anos, a vida deu uma puxadinha no seu tapete e ela se afastou da internet.

Não tinha dado meu e-mail a ninguém porque se minha caixa ficar vazia quem vai sentir a sensação de vazio sou eu e se acontecer de encher a ponto de não conseguir responder a todos, a sensação de desinteresse vai ser sua, se não atentar para meu NICK. Ligue-se em que com resposta ou sem ela, estou ligado em você.

Ao voltar e reencontrar as amigas daquela sala, soube, com profundo pesar, que o Senhor Pescando/Desligado havia falecido. Bloqueios à parte, todos estavam entristecidos e sentiam falta do seu jeito e de suas midis. Ela soube também que havia amigos que o homenageavam colando as músicas preferidas dele.

...acho que tenho "colecionado" uma porção de amizades das quais muito me orgulho, pois são amizades silenciosas nascidas do ouvido e do coração, são nicks que eu considero como nomes e são pessoas tão reais que eu não sinto nada de virtual no "nosso" relacionamento...
Elas me são conhecidas sem nunca as ter visto e eu sinto sua presença e sua ausência, sinto seu humor, sinto seu ânimo, sinto a sala murcha, a sala animada, a sala alegre vibrante, sinto seus reservados fervilhantes de novidades de fuxicos mesmo não participando, percebo o entra e sai, a ansiedade de alguém esperando alguém, sinto a decepção, a bronca, os namoros apaixonados cheios de música romântica de mãos dadas teclando em conjunto, também sinto os fracassos e as reaproximações. Como este mundo pode ser chamado de mundo virtual? Ele é (no meu conceito) tão real ou mais real que o cara-a-cara que vivemos que é tão falso como este, se não for mais, tão cheio de emoções e de sinceridades quanto o olho-no-olho, cheio de rancores e de sentimentos puros, cheio de amor e de ciúmes, enfim cheio de vida. A máquina que nos comunica é apenas um meio de transporte mas as emoções continuam sendo nossas. Peço aos amigos(as) desculpas pelas falhas do Desligado, mesmo tendo certeza de que ele não irá corrigir-se nem corrigi-las, está tão acomodado no seu nick, que se desliga de tudo e de todos, só não se desliga de você.

Conversando com uma das amigas da sala, soube que o amigo comum tinha um site de midis onde colocou alguns dos seus pensamentos e comentários sobre sua participação como internauta. Ela foi lá e, embora tardiamente, compreendeu quem era essa pessoa. Esse relato é uma deferência que ela resolveu fazer, agradecendo em forma de homenagem, a passagem rápida dessa pessoa na sua vida. Talvez nunca venha a saber mas ele foi importante para ela porque somente usufruir da sua escolha musical ajudou-a em algum ponto determinado, em alguma situação específica. Embora seu nick preferido fosse Pescando à deriva, acredito que o senhor está situado em algum lugar bem mais bonito do que todas as imagens que criou. E que todas as suaves brisas que o senhor pescou, sejam portadoras do nosso carinho e saudade. Grata, senhor Pescando estrelas! Que o senhor esteja nos braços de uma delas, pleno de luz.


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Amiga SÓ VIM...:esse texto também é em sua homenagem! Beijocas!

2 comentários:

  1. Lili...Eu tbm esbarrei um dia nesse Pescando..E tbm ficava ouvindo calada suas melodias suaves..Lindo relato ...Deus o guarde

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  2. Emocionada aqui, sabia que sua sensibilidade "descarada',em expressar tão bem os sentimentos , só poderiam causar isso,lagrimas..e saudade em ler e reler, tão sabiamente o que ele deixou,de coração 'aberto' nos deixa músicas e se faz música ! Sejamos assim "peqninas notas musicais", tocando o coração de cada um, como ele o fez! Obrigada...sua amiga SoviM.

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