segunda-feira, 1 de junho de 2009

A ARTE DE PRESENTEAR - AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA


Homens e mulheres se dão presentes de maneira diferente. Não sei se isto é cultural, se é psicológico ou até biológico. É diferente. E falo tanto de dar quanto de receber. Pois se um presente brilha na mão de um homem e na direção da mulher, o corpo dela é pura comoção e se entreabre numa primavera de dedos e floração de sorrisos e beijos.

O homem, não. O homem, em geral, dá à mulher a sensação de que errou de destinatário, que ele está abrindo uma caixa para outra pessoa. Ele não tem dedos ágeis, lindos, frágeis, de quem abre o cristal do afeto, a seda do carinho e os laços da paixão. Vai logo rasgando tudo, meio estabanado e, quando chega ao cerne da coisa, mal balbucia um adjetivo para, luminosamente, agradecer.

Homem não recebe presente. Apenas constata que ganhou. Olha-o de fora. Eu aqui ele acolá, vai até vesti-lo com orgulho, vai até dirigi-lo ágil e feliz. Recebe sempre como se as mulheres lhe devessem coisas. Falta ao homem aquela aura que só os santos e as mulheres assumem quando recebem uma graça dada.

Receber um presente é uma arte que às vezes tem que se aprender. No meu tempo de menino em Minas, por exemplo, não se abria presente na frente dos outros. A desculpa era sempre de que seria uma falta de educação. Ou será que era medo de mostrar a própria emoção? Carregava-se o presente para o quarto ou ia-se abrir escondido, sozinho, proibindo ao doador a cena da revelação.

Se homens e mulheres recebem presentes diferentemente, também escolhem e presenteiam de modo diverso. Homem pede à secretária que escolha e mande. Neste caso, presente é uma coisa entre mulheres a respeito dos homens.

Já a mulher é capaz de passar dias procurando pelas galerias e vitrinas. Ela reassume suas antigas virtualidades de coletora numa sociedade tribal e vai colhendo das árvores o alimento afetivo para sua família. Mas não me venham, por causa disso, dizer que a mulher tem mais tempo e foi treinada para isto desde sempre. Há também homens, que não foram treinados para isto, não têm tempo, mas cumprem o mesmo ritual do prazenteiro doador. São poucos, é verdade, mas nem por isso são menos homens. A emoção, dizem os machos empedernidos e os artistas formalistas, é coisa de mulher. Dizem isto e perdem assim metade do que de bom tem a vida, que é se emocionar.

Sobre presentes, se pode muito observar. Há quem saia e só consiga comprar presentes para si mesmo. Roda, roda, roda nas vitrinas do seu ego, não consegue ver o outro. Assim, sai para presentear o outro e faz o outro presenteá-lo.

_ Há pessoas que não se dão presentes para não terem que se dar?
Neste caso o presente é um escudo. Ambíguo escudo. Neste caso o presente fala mudo.
_ Há pessoas que dão presentes como forma de se dar?
Neste caso o presente é tudo. Duplo mundo. O próprio corpo a se desembrulhar.
Os amantes sabem disso. Entre eles os presentes sinalizam a estrada da paixão. Para eles, o presente é a véspera do corpo. A primeira achega. O progressivo afeto. Pela sua constância, valor e progresso, se sabe quando o amor aumenta ou quando está em extinção.

Assim, da mesma forma que o primeiro presente é o sinal de que alguém desembarcou em nossa vida, também há presentes que são o último aceno na estação, a última víscera desembrulhada na dilacerada relação.

Mas o bom é quando o presente é um transbordamento do afeto. Uma duplicação do gesto. Um preenchimento de espaços no corpo, na casa do outro.
Desse modo, presentear é resistir, ocupar (claro, em alguns casos, é invadir). Mas quando vai disseminando presentes na campina do outro, o amante, mais que agricultor, é construtor, arquiteto, fundador. Está preenchendo o tempo e o espaço, está se expandindo num concreto amor.

Presentear, na verdade, é isto. É dizer: eu não vim apenas te ver, através do meu presente, eu vim permanecer.


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