quarta-feira, 2 de setembro de 2009

E SE...? por Vera Vieira



Acabo de ler a notícia de que um cartão postal foi entregue 72 anos depois de haver sido postado. De um noivo francês à sua noiva. Estava escrito no cartão, com imagens de montanhas, apenas isso: Boas lembranças. E estava assinado: J.A Achierdi. O correio francês, depois de explicar que o cartão deve ter caído atrás de algum móvel e por lá ter ficado durante décadas, entregou-o à família de Fernande Robéri, morta há já 40 anos.

Fernande casou-se com outra pessoa. Coincidentemente, com um carteiro. A notícia não informa dados sobre o noivo Achierdi.

Fiquei aqui pensando em uma coisa que sempre mexeu com a minha imaginação: os caminhos que a vida nos oferece. E, como mágica, lá vem a famosa pergunta: “E se....?”

A nossa vida é um cordão onde estão alinhadas pérolas escolhidas por nós. Para cada pérola que lá está, uma outra foi descartada. Mas ao fazermos isso, temos consciência de que elegemos uma coisa em detrimento de outra. Que renunciamos a algo valioso por um outro ainda mais valioso. É um escolha deliberada e, por isso mesmo, sabemos que vamos arcar com as devidas conseqüências.

Mas e quando não nos é dado o privilégio da escolha? Quando as coisas se atropelam, quando seguem caminhos alheios à nossa vontade, quando outras pessoas ou circunstâncias fazem opções por nós?

E se o cartão de Achierdi tivesse chegado às mãos de Fernande em tempo hábil? E se essas duas simples palavras tivessem sido lidas por Fernande? Seria um código? O que continha de secreto, de único, de íntimo na expressão Boas lembranças? O que estaria nas entrelinhas, que somente os dois noivos podiam compreender? Seriam duas palavras que teriam força suficiente para mudar caminhos?

São perguntas para as quais jamais teremos respostas. Fica-se apenas no campo das especulações. Muitas vezes sinto-me impelida a brincar nesse campo. E os vôos são altos e longos...

E se eu tivesse calado no momento certo? Ou tivesse discutido à altura e não tivesse engolido tantos sapos? Se eu dissesse mais ‘sim’ e menos ‘não’? Ou o contrário? Se eu tivesse a coragem de perdoar mais do que faço normalmente? Se eu não tivesse parado de trabalhar? Se eu errasse menos nas escolhas? Se eu pensasse mais em mim e menos nos outros? Se eu não tivesse dado tanto espaço ao julgamento alheio? E se eu não fosse a senhora-pés-fincados-no-chão e voasse mais vezes? E se...? E se....?

Bem, fato é que, as perguntas são variadas mas a conclusão é uma só: a vida que tenho é essa, reflexo das minhas escolhas e rejeições. Das tramas compostas de forma involuntária que jamais saberei, também não sei calcular o impacto. Portanto, esse é meu tempo, esse o meu caminho. Afinal, não somos a tartaruguinha que carrega nas costas a sua própria casa? Resta-nos uma coisa importante que só o tempo pode nos dar: a sabedoria. Agora sabemos com mais clareza aquilo que devemos adicionar nas nossas vidas assim como sabemos expurgar as coisas que nos desagradam, sem nenhum sentimento de culpa. Aliás, que gostoso é descobrir que culpa não existe!

Talvez duas palavras - 'Boas lembranças' - trouxessem dentro delas uma bagagem tão grande e especial que teria mudado radicalmente as vidas de Achierdi e de Fernande. Como saber? Essas palavras só não ficaram voando no vento porque foram escritas. E isso me traz uma outra indagação recorrente: e os versos pensados e jamais escritos, para onde vão? E os que foram escritos e jamais chegaram ao destino certo? Ou... e se eles chegaram, hein?

Um comentário:

  1. Oi Verinha, que belíssimo texto! Perguntas e repostas qie nos "atormentam" sempre. Maravilhoso!! Beijos!! Cleida

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