Uma coisa especial ocorre com a mulher depois que ama.
Reparem, estou dizendo: depois que ama.
Não estou me referindo a ela enquanto está no ato do amor.
Mas, quando digo "depois que ama",
refiro-me ao estado de graça que a envolve após o gozo,
e que perdura horas e horas e às vezes dias.
Fica macia que nem gata aos pés do dono.
Mais que gata, uma pantera doce e íntima.
Sua alma fica lisinha, sem qualquer ruga.
A vida não transcorre mais a contrapelo. Desliza.
Ela tem vontade de conversar com as flores, com os pássaros, com o vento.
Em estado de graça ela se desinteressa do calendário.
O cotidiano já não a oprime. É a hora de uma ociosidade amorosa.
O homem, animal desatento, às vezes não se dá conta.
Em geral, nunca se dá conta.
Ou dá-se conta nos primeiros minutos após o ato de amor,
e depois se deixa levar pela trivialidade,
deixando-a solitária em sua felicidade clandestina.
Na verdade, ela sobrepaira ao tempo, está adejando em torno do amado,
que deveria suspender tudo para sentir
desenhar-se em torno de si esse balé de ternura.
Já vi algumas mulheres assim.
Era capaz de pressentir a 115 m que elas estavam
levitando de tanto amor que seus amados nelas desataram.
Há uma coisa grave na mulher que foi ao clímax de si mesma.
Que não esteja distraído o parceiro ou parceira.
Ela tem mesmo um perfume diverso das demais.
É um cio diferente.
É quando a mulher descerra em si o que tem de visceralmente fêmea,
tranqüila que, mais que possuída, possui algo que atingiu raramente.
As outras mulheres percebem isto e a invejam.
Os machos farejam e se perturbam.
É como se estivessem num patamar seguro a se contemplar.
Estou falando de uma coisa que os homens não experimentam assim.
O gozo masculino é mais pontual e parece se exaurir pouco depois do próprio ato.
Também brilha. Mas é diferente.
E não é disto que estou falando,
senão do gozo feminino que não se esgota no gozo
e se derrama em gestos e atenções por horas e dias a fio.
É isso: quando a mulher foi amada e bem amada,
ela ingressa nessa atmosfera sagrada.
Uma aura de mistérios as envolve.
E isso, por não ser muito trivial, por não ser nada profano,
talvez se assemelhe aos mistérios gozosos de que muitos místicos falaram.